Crônicas de uma Exploradora do Invisível.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Estupro

            Ele a via parada feito um bicho: os olhos como um desenho sobreposto, rasgado em rajas. O corpo, dos lábios ao peito e os dedos, indo pra cima e pra baixo num ofegar barulhento. Acuada, presa da própria fraqueza – mas com aqueles olhos, não havia real necessidade de palavras.
            Ele a rodeia, grande, apenas um pouco menos barulhento. Gravitam lágrimas, sobe suor. São quentes os dedos que ele fecha, que ele aperta naquela pele. Ela pálida, ele desconhecendo autocontrole, mira: sem amarras mais do que os nós dos dedos. Quando alcança a boca daquele bichinho cativo, aspira daquela respiração acelerada, bebe do vapor que sua presa transpira. Corre os dentes por aquela carne tão molhada e continua salivando como um faminto chamado à mesa de repente; sobe a mão direita como um fanático àquele lugar delgado onde mora sua cegueira. Ela treme, ele não. Se há alteração alguma, é que é mais firme agora a mão fechada enquanto o beijo se aperta mais, o corpo se afasta e a mão esquerda comanda – ela se dobra e deixa as costas no horizonte; ele se acerca, fundamenta os joelhos. O ar se vai. Ele abre a boca e apenas sente aquelas veias, como um vampiro que não precisa de dentes. Quase delicado, seu dedo esfrega a pele tensa, os poros de pé, o vermelho nas retinas; estica o outro braço e se afunda naquele corpo que era somente pulsação sob carne e pele arrasada, mal sustentada por ossos que iam ceder ao seu próprio comando.
            Ele ia, o puro pecador, a mão se antecipando ao fogo eterno. Puxa os lábios sobre os da presa rendida, aberta em cruz, com o sangue correndo tanto que diria querer explodir-se para se ter então ao mesmo tempo em toda parte do outro corpo, que a consumia por grama e mililitro.
E como ele a engolia através das peles e dos pelos e dos mesmos dedos, que queriam ir tão profundo quanto nunca lhes seria permitido.
Não havia nem dor, nem anjos, nem mesmo terra ou cheiro ou alguns últimos escrúpulos escondidos que se acendessem agora numa lembrança salvadora. Não havia um pingo de razão naquele corpo comandado pela doutrina dos dedos e das digitais que se condensavam naquele pescoço cada vez mais estreito, cada vez mais compacto, e por debaixo a respiração alta do sangue também cego, cada vez mais diluído.
Ele sabia e agora era governado por isso - por saber-se mais elevado quanto mais fundo a tinha, e quanto mais ela morria sem dúvidas, mais ele se sentia, sem um pingo de razão, mas com todo o corpo consciente e o inconsciente latejando: vivo.
Do momento em que ele abriu os olhos até voltar a sentar-se sobre as pernas, era como se continuasse cego. E o que mirava eram justamente aqueles primeiros olhos rasgados que jamais se fecharam debaixo de si. Com o coração leve antes que ela (a razão) lhe voltasse, ele estendeu mais uma vez sua mão para aquele corpo vazio e baixou-lhe as pálpebras com os mesmos dedos que a estrangularam até o orgasmo.

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