Crônicas de uma Exploradora do Invisível.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Fé no Futuro II


Assim seguiu o dia, frio, como todo o resto do ano. Véspera. Não sabia mais em que ponto do deserto estava. Não sabia se o que via eram montanhas ou oásis, ou miragens que podia tocar, cheirar, mastigar. Olha que engraçada a miragem em forma de pizza – e ao mesmo tempo aquela tristeza condensada, pincelada de outros rostos e inesperada saudade de seus consolos.
            E finalmente percebeu que era por isso que doía: o que a esperava era completamente novo. Um cansaço quase mortalha, silêncio de terraço e carros. Uma mão para amparar o queixo. E adeus à amizade com cheiro de açaí.
Seria saudade.
          E viu, com a panela borbulhante, que não conseguia sonhar. Estava de pé cozinhando depressão que tinha nome, um nome espaçado e preguiçoso: e s p e r a. Olhou para cima. O céu era de ouro. A panela chiava.

            A rua torta, os olhos desacostumados. Grande desconfiança que a mantinha parada. Baixou os olhos por três segundos de saudade mesquinha do que fora arremedo de sonho e com o qual foi muito fácil se acostumar. Tudo o que confiava nela e a embasava. Mas o interior se duvidava intensamente. A dúvida era um braço teso que jamais se movia e aqui chegava clamando por uma cãibra que fosse. Achou que podia ver dentro do peito a rua escura, a tempestade incessante que tanto rodopiava, agitava, gritava, rugia, corria, enlouquecia – durante as horas de epifania clandestina, borbulhava – a tantos movimentos que já tinha achado ordem própria.
            Um uivo de braços abertos, bailarina ao som de blues; longos braços de vento. Constante, nem menos violenta era sua loucura. Em três segundos, só.
            A boca ainda agridoce, embora tanto se mordesse. Ainda mexia o caldeirão, a pequena maga. Respira em balões de alegria com K de constantes: o café da manhã, a felicidade alcançável e inquebrantável. Doces lágrimas, ternas e fartas. O céu de ouro e o nariz que ardia. O xadrez que não sabia jogar. E Deus. Jamais estava só. Respira. Seja sua fé o que move a mão para longe e vê:
            A panela está vazia!