Hórus
tinha o peito cheio de angústia. Ela era uma mulher com uma missão. Seus
objetivos nem sempre eram fáceis, contudo era fácil dedicar-se inteira a cada
um deles. Uma série de golpes simples; uma sequência de dias dentro de seus
próprios limites; e, então, o prazer claro e longo, gozado no último momento.
O
momento em que fechava os olhos e ouvia a carne ceder sob sua lâmina.
Hórus
possuía os homens através daquela extensão de seu braço: sempre mirando na
jugular, de onde sairia o jato exato de encontro à sua pele pegajosa. Sangue
grosso e quente escorria por sua pele em calafrios. Esticava a língua e provava
o sal no ar. Às vezes chorava, deixando vazar aquela grande angústia criada com
tanto carinho, a leite e chicotadas. Chorava dois filetes de lágrimas que
manchavam a sujeira impregnada em seu rosto e penetravam pelo sangue fresco
adentro. Chorava diante dos homens estúpidos caídos na sua frente, corpos ocos
que refletiam a si mesma: vazia, vazia, vazia.
No
mundo em que vivia, os inteligentes não tiravam vantagem apenas uns dos outros.
Eles também sabiam como aproveitar o pior de si mesmos e transformar as
perversões em qualidades especiais.
Naquela
noite, Hórus ainda era Bianca. Adotara o codinome da última missão, iniciada
onze meses antes e concluída havia seis semanas. Não pensou que teria tanto
tempo de paz. A bandeira branca, junto ao papel que permanecia em branco,
estavam começando a encardir seu bom humor.
Ela
era uma artista. Até mesmo seus assassinatos, que seguiam a lista das cabeças a
prêmio, mantinham uma certa linha poética. Era como nos dias antigos, quando as
pessoas tinham um emprego remunerado de dia e tocavam numa banda à noite. Agora,
Hórus começava a questionar se não vinha dedicando sua criatividade
inteiramente ao trabalho, pois quando não havia demanda, achava-se
repentinamente inútil.
Incomodada,
ela se vestiu e foi ao bar, tentando se distanciar do pensamento de que estava
vivendo em stand by. Enquanto fazia um sinal para o atendente, distraiu-se
pensando que estava frio demais para dezembro. Tão frio que a caminhada não a
aquecera. Tão frio que seus braços estavam arrepiados.
-
Posso sugerir uma bebida quente?
A
pergunta veio do desconhecido que estava tomando o lugar ao seu lado. Ele tinha
o dobro de seu tamanho e a voz, ainda que baixa, era trovejante. Mas Bianca
achou seus olhos pequenos e gentis. Não se sentiu intimidada. Até porque, já
matara homens maiores.
-
Fique à vontade.
O
homem pediu dois drinques de nome estranho e o bartender, que já conhecia
Hórus, serviu três copos, separando o seu pedido original. O desconhecido achou
isso engraçado.
-
À sua saúde, moça.
Eles
brindaram e Bianca sentiu o efeito imediato da bebida. Suas bochechas
esquentaram.
-
Bianca.
-
Serafim.
Ela
juntou as sobrancelhas e pediu para ele repetir.
-
É o meu nome. Serafim Leal. Pode rir, eu rio todos os dias.
Ela
olhou melhor para o homem sentado ao seu lado. Era bonito, do tipo que nunca
conversaria com ela na escola.
Bianca
não sabia de onde viera aquele pensamento errante. Talvez tivesse saído dos
livros e cadernos que desencavara na tentativa de voltar a escrever.
Ele
olhou melhor para a mulher ao seu lado também. Era pequena e resplandecente.
Parecia que ela vagara na rua fria por horas até achar um lugar para se
abrigar. O cabelo era de um tom claríssimo de louro, as bochechas apenas
rosadas em meio à pele imaculada. O contraste era sensacional com os olhos
grandes e pretos que o analisavam. O homem ficou bem parado, como se estivesse
sob o olhar de um animal, reconhecendo que ao menor movimento seria tragado por
aquele buraco negro.
Bianca
chegou à conclusão de que gostava dele. Era grande feito um urso e tinha o
rosto tão gentil quanto os olhos, meio escondido pela barba e os cabelos. O
contraste com o nome era cômico, então ela começou a sorrir.
Ele
viu os dentes surgirem, enormes, ganhando destaque sobre os lábios
avermelhados. Foi um segundo depois de respirar fundo que ele percebeu que era
tarde demais.
Ela
se voltou para o balcão e pegou o outro drinque.
-
O que sua mãe tinha na cabeça? – riu.
-
Um quadro com uma cena de Isaías – respondeu ele, rindo também.
-
Temos que arranjar um apelido. “Serafim” não é adequado nem para um grito nem
para um sussurro.
-
Por que, está planejando gritar o meu nome, senhorita?
Ela
olhou para ele de lado, sem se dar o trabalho de virar a cabeça.
-
Só se conseguirmos abreviá-lo.
Ele
achou os lábios dela e os engoliu. Respirava precariamente de encontro ao rosto
úmido pelo sereno, os dedos ásperos se movendo delicadamente sobre a pele dela,
muito cuidadoso, como se quisesse provar ser o contrário do que aparentava.
Bianca,
por sua vez, era firme: puxou o homem com nome de anjo para si, colocando-se
contra a parede. Pôs as mãos em sua nuca e arranhou, devagar e com força,
segurando-o no lugar. Com o lábio inferior dele na boca, sugou até prendê-lo
entre os dentes, e agora era ela que o engolia.
Com
as mãos nos ombros dele, guiou-o até o sofá, sentando-o e subindo em seu colo.
Serafim inclinou a cabeça para trás, para olhá-la. Bianca sorria e havia mais
cor em seu rosto agora. Os lábios estavam inchados e o cabelo bagunçado em
cachos sobre a testa. Ela parecia angelical, ainda que os olhos cintilassem de
más intenções.
Respirando
fundo o cheiro de chuva e roupa molhada, ela começou a abrir a camisa dele,
lentamente, apreciando o fato de estar com alguém apenas por prazer. O corpo do
homem era belo como esperava, e ela estava se sentindo bastante inspirada.
Serafim
observava enquanto ela se movia em seu próprio tempo, apreciando o peso de seu
corpo sobre as pernas, as luzes ainda apagadas e o único barulho ser o da chuva
que começava lá fora.
-
Se eu disser exatamente o que quero que faça comigo, você vai me obedecer?
Ele
sabia o que queria fazer; mas satisfazê-la era sua prioridade.
-
Às ordens, senhorita.
Bianca
olhou para o caminho que os botões abertos revelaram e, ainda mais lentamente
do que antes, colocou as mãos sobre a pele dele, afastando a camisa de seu peito
enquanto falava.
-
Eu quero que você me segure pelo pescoço, me ponha de joelhos e me bata com
este cinto – sua mão chegou ao ponto de que falava, e, colocando os dedos por
dentro da calça, agarrou-o pela fivela.
O
efeito das palavras de Bianca sobre Serafim, disparadas enquanto mirava direto
em seus olhos, não seria mais efetivo do que se ela tivesse usado a boca para
outros fins. Ele parecia chocado e excitado na mesma medida. No entanto, estava
receoso. Sua mão tinha o tamanho do rosto dela. Ele era um homem forte e estava
acostumado a ser violento, mas nunca com mulheres e muito menos na cama. Mas se
ela gostava da dor – ou gozava com a dor – ele iria tentar.
E
com prazer.
Bianca
ligou o abajur ao lado da cama. Tirou os sapatos e a calça jeans, vendo Serafim
fazer o mesmo, deixando o cinto sobre o lençol. Antes que chegasse à blusa, ele
a alcançou enfiando um dedo em sua gola e a puxou para perto, encostando suas
testas. Encheu as mãos com seus seios e apertou – ainda gentilmente. Ela
aprovou o gesto com o mais leve dos gemidos, que aumentou quando ele roçou os
polegares nos bicos dos seios, em sincronia.
-
Você quer que eu vá devagar ou rápido?
Ela
pensou por um momento. Devagar era o ritmo da tortura e rápido poderia ser mais
doloroso do que o pretendido. Decidiu que era situação ganha.
-
Pode fazer como preferir – ela disse em seu ouvido, sentindo a resposta no
suspiro de satisfação em seu cabelo.
Serafim
estava com medo de machucá-la de verdade, mesmo que ela pedisse por isso, então
decidiu ir devagar. Levou uma das mãos aos cabelos de Bianca e segurou com
força, puxando-a para conseguir ver seu rosto e, a partir dali, medir suas reações.
Ela parecia frágil e destemida. Ele percorreu seus lábios e queixo com o
polegar, até chegar ao pescoço. Foi posicionando os dedos, um de cada vez,
e teve que colocar a palma da mão na base e o dedo mindinho sobre a clavícula
para conseguir caber. Então, soltou seus cabelos e fechou a outra mão sobre a
nuca. Bianca fechou os olhos, mas a boca se abriu formando um pequeno
"O".
De
repente, ele a soltou e pegou na barra da blusa, fazendo com que ela abrisse os
olhos, confusa. Percebeu então que continuava parcialmente vestida e riu. Com
um movimento rápido ele a despiu, jogando a roupa do outro lado do quarto.
Reparou na pele arrepiada e numa cicatriz perto das costelas. Pelo jeito aquela
moça gostava mesmo de sofrer.
Em
outro repente, ele segurou suas pernas e a puxou para o peito. Com uma exclamação
de surpresa, ela se agarrou a seus ombros enquanto Serafim subia em sua cama.
Ao deitá-la, ele mergulhou nos seios apertados dentro do sutiã enquanto as mãos
apertavam, por sua vez, o resto do corpo, testando sua maciez e pensando se
conseguiria não deixá-la roxa por toda parte. Entretanto, ele já estava
ganhando as habituais marcas nas costas, enquanto Bianca explorava também.
Antes
de sentir os lábios gentis de Serafim, Bianca tinha a pele arranhada pela barba
áspera, o que era extremamente agradável. Agora ele estava descendo ao longo do
seu corpo com a boca, enquanto as mãos subiam. Ela aproveitou para se livrar do
sutiã, tirando-o pela cabeça. Observou enquanto ele a provava, sem pressa,
descobrindo onde deveria beijar, onde poderia chupar e onde se aventurar a
morder. Gemeu quando ele passou os dentes pela marca que a calça jeans deixara
em seus quadris, e mordeu os lábios quando ele a lambeu de um lado a outro em
seguida, logo abaixo do umbigo. As mãos e a boca se encontraram no mesmo ponto,
quando ele segurou sua calcinha no lugar e desceu mais com o rosto, esfregando
a barba lentamente por uma coxa e depois por outra.
Era
uma tortura.
-
Por favor, senhor Leal – ela gemeu, manhosa. Serafim olhou para cima e teve a
bela visão de Bianca deitada, uma mão agarrando o lençol e a outra nos cabelos,
a boca entreaberta, os seios nus à sua espera.
Rapidamente
livrou-se do que ainda vestia diante do sorriso dela. Ele também era uma bela
visão.
Ele
voltou para onde estava, entre as pernas dela, e mostrou o cinto dobrado na mão
direita.
-
É isso que você quer?
Bianca
fez que sim com a cabeça, erguendo-se sobre os cotovelos e ficando frente a
frente com ele, de joelhos sobre a cama. Serafim passou a dobra do cinto por
sua pele, começando pelo rosto delicado, deixando uma trilha de arrepios pelo
pescoço, circulando o seio esquerdo, descendo pela barriga e finalmente
chegando às coxas. Ela não tirava os olhos dos dele, tentando antecipar quando
o golpe viria, mas agora a tira de couro estava na parte de trás de suas
pernas, subindo inexoravelmente por sua bunda e prosseguindo pelas costas. A
ansiedade era um doce que se dissolvia sofregamente sobre a língua, mas Hórus
também gostava de brincar com a comida quando era a sua vez.
De
repente, o cinto bateu contra sua pele e ela se sobressaltou, primeiro pelo
susto e depois pela mordida da dor que ressoou em seus nervos.
Mas
ela não gritou.
Serafim
mandou que colocasse as mãos sobre o travesseiro, de costas para ele. Por mais
que quisesse continuar acompanhando suas reações, a posição mais indicada para
o que ela queria era aquela. Ele percebeu mais marcas no corpo pequeno e firme,
mas resistiu ao impulso de percorrê-las com os dedos e continuou a explorá-la
com o cinto, provocando novos arrepios. Estalou mais uma vez sobre sua pele e a
penetrou, escorregando com facilidade porque ela estava muito excitada. Desta
vez ela gemeu alto e se mexeu imediatamente, indo de encontro ao corpo dele. A
mão de Serafim voltou ao seu pescoço e a manteve quieta, sentindo o gemido em
sua garganta através dos dedos. Voltando a ir devagar, ele a explorou por
dentro, empurrando mais, vendo até onde conseguiria ir. Variava o aperto em seu
pescoço, percebendo como isso a afetava, como ela se comprimia e queria se
mexer mais. Parecia que ela gostava de ir rápido, mas obedecia ao ritmo que
deixara ele impor.
O
cinto estalou mais uma vez.
Bianca
sentiu tudo se estreitar: o aperto dele e o seu próprio, o que provocou um
gemido de Serafim em resposta. Puta que pariu. Ele esqueceu completamente como
havia sido sua última transa, e a penúltima, e a dos últimos dois anos. Aquilo
era outra coisa.
Teve
que se concentrar para não estrangulá-la e soltou o cinto, segurando seu
quadril para impor um novo ritmo. Pro inferno com o devagar.
Ela
gemeu de satisfação outra vez e rebolou lentamente uma vez antes de passar ao
novo ritmo com força.
Serafim
afrouxou o aperto no pescoço de Bianca, ou iria sufocá-la. Em compensação, envolveu
com a mão enorme uma de suas coxas – que com toda a certeza ficaria de outra
cor –, ao que foi respondido com outro gemido alto. Ele podia jurar que
conseguia senti-la em cada centímetro. Ela acelerou até que ele teve que
agarrá-la pelo pescoço de novo e trazê-la para junto do peito para impedir que
acabasse com tudo cedo demais.
Afastou
os cabelos dela e beijou seu pescoço, sentindo na própria carne enquanto ela
diminuía gradualmente a velocidade. Com os braços para trás, ela o agarrou pelos
cabelos. Sentia o beijo sobre as marcas que os dedos haviam deixado, assim como
a barba: acariciando e esfolando. Estava se aproximando do final e precisava se
concentrar. A habilidade de Hórus era usar sua ansiedade como estímulo em vez
de permitir que a paralisasse. Para chegar ao fim de uma execução ou para
alcançar o próprio orgasmo, ela aprendera a se automanipular quase
perfeitamente.
Muito
embora estivesse recebendo uma grande ajuda naquele momento.
Virou-se
para trás, a fim de trazer a boca de Serafim à sua pela última vez. Então
voltou a se prostrar sobre os travesseiros, gemendo de acordo com o ritmo que
haviam alcançado: ele não tinha certeza, mas parecia tê-la ouvido implorar que
não parasse de jeito nenhum. Serafim não pensava em parar nem se começasse a
chover ali dentro.
Houve
um momento de silêncio e então o grito; ele sentiu ela gozar forte, apertada,
encharcada. Soltou um palavrão enquanto saía dela com dificuldade, espalhando
seu próprio gozo sobre a pele magoada, branco sobre branco.
Caiu
no colchão ao lado dela, fazendo a cama inteira tremer. Bianca sentiu isso ao
longe e sorriu. Era a primeira vez em muito tempo que fazia sexo sem sangue.
Mas,
por engraçado que fosse, ainda precisaria de um banho.