Crônicas de uma Exploradora do Invisível.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Capítulo I - Correntes

Hórus tinha o peito cheio de angústia. Ela era uma mulher com uma missão. Seus objetivos nem sempre eram fáceis, contudo era fácil dedicar-se inteira a cada um deles. Uma série de golpes simples; uma sequência de dias dentro de seus próprios limites; e, então, o prazer claro e longo, gozado no último momento.
O momento em que fechava os olhos e ouvia a carne ceder sob sua lâmina.
Hórus possuía os homens através daquela extensão de seu braço: sempre mirando na jugular, de onde sairia o jato exato de encontro à sua pele pegajosa. Sangue grosso e quente escorria por sua pele em calafrios. Esticava a língua e provava o sal no ar. Às vezes chorava, deixando vazar aquela grande angústia criada com tanto carinho, a leite e chicotadas. Chorava dois filetes de lágrimas que manchavam a sujeira impregnada em seu rosto e penetravam pelo sangue fresco adentro. Chorava diante dos homens estúpidos caídos na sua frente, corpos ocos que refletiam a si mesma: vazia, vazia, vazia.

No mundo em que vivia, os inteligentes não tiravam vantagem apenas uns dos outros. Eles também sabiam como aproveitar o pior de si mesmos e transformar as perversões em qualidades especiais.
Naquela noite, Hórus ainda era Bianca. Adotara o codinome da última missão, iniciada onze meses antes e concluída havia seis semanas. Não pensou que teria tanto tempo de paz. A bandeira branca, junto ao papel que permanecia em branco, estavam começando a encardir seu bom humor.
Ela era uma artista. Até mesmo seus assassinatos, que seguiam a lista das cabeças a prêmio, mantinham uma certa linha poética. Era como nos dias antigos, quando as pessoas tinham um emprego remunerado de dia e tocavam numa banda à noite. Agora, Hórus começava a questionar se não vinha dedicando sua criatividade inteiramente ao trabalho, pois quando não havia demanda, achava-se repentinamente inútil.
Incomodada, ela se vestiu e foi ao bar, tentando se distanciar do pensamento de que estava vivendo em stand by. Enquanto fazia um sinal para o atendente, distraiu-se pensando que estava frio demais para dezembro. Tão frio que a caminhada não a aquecera. Tão frio que seus braços estavam arrepiados.
- Posso sugerir uma bebida quente?
A pergunta veio do desconhecido que estava tomando o lugar ao seu lado. Ele tinha o dobro de seu tamanho e a voz, ainda que baixa, era trovejante. Mas Bianca achou seus olhos pequenos e gentis. Não se sentiu intimidada. Até porque, já matara homens maiores.
- Fique à vontade.
O homem pediu dois drinques de nome estranho e o bartender, que já conhecia Hórus, serviu três copos, separando o seu pedido original. O desconhecido achou isso engraçado.
- À sua saúde, moça.
Eles brindaram e Bianca sentiu o efeito imediato da bebida. Suas bochechas esquentaram.
- Bianca.
- Serafim.
Ela juntou as sobrancelhas e pediu para ele repetir.
- É o meu nome. Serafim Leal. Pode rir, eu rio todos os dias.
Ela olhou melhor para o homem sentado ao seu lado. Era bonito, do tipo que nunca conversaria com ela na escola.
Bianca não sabia de onde viera aquele pensamento errante. Talvez tivesse saído dos livros e cadernos que desencavara na tentativa de voltar a escrever.
Ele olhou melhor para a mulher ao seu lado também. Era pequena e resplandecente. Parecia que ela vagara na rua fria por horas até achar um lugar para se abrigar. O cabelo era de um tom claríssimo de louro, as bochechas apenas rosadas em meio à pele imaculada. O contraste era sensacional com os olhos grandes e pretos que o analisavam. O homem ficou bem parado, como se estivesse sob o olhar de um animal, reconhecendo que ao menor movimento seria tragado por aquele buraco negro.
Bianca chegou à conclusão de que gostava dele. Era grande feito um urso e tinha o rosto tão gentil quanto os olhos, meio escondido pela barba e os cabelos. O contraste com o nome era cômico, então ela começou a sorrir.
Ele viu os dentes surgirem, enormes, ganhando destaque sobre os lábios avermelhados. Foi um segundo depois de respirar fundo que ele percebeu que era tarde demais.
Ela se voltou para o balcão e pegou o outro drinque.
- O que sua mãe tinha na cabeça? – riu.
- Um quadro com uma cena de Isaías – respondeu ele, rindo também.
- Temos que arranjar um apelido. “Serafim” não é adequado nem para um grito nem para um sussurro.
- Por que, está planejando gritar o meu nome, senhorita?
Ela olhou para ele de lado, sem se dar o trabalho de virar a cabeça.
- Só se conseguirmos abreviá-lo.

Ele achou os lábios dela e os engoliu. Respirava precariamente de encontro ao rosto úmido pelo sereno, os dedos ásperos se movendo delicadamente sobre a pele dela, muito cuidadoso, como se quisesse provar ser o contrário do que aparentava.
Bianca, por sua vez, era firme: puxou o homem com nome de anjo para si, colocando-se contra a parede. Pôs as mãos em sua nuca e arranhou, devagar e com força, segurando-o no lugar. Com o lábio inferior dele na boca, sugou até prendê-lo entre os dentes, e agora era ela que o engolia.
Com as mãos nos ombros dele, guiou-o até o sofá, sentando-o e subindo em seu colo. Serafim inclinou a cabeça para trás, para olhá-la. Bianca sorria e havia mais cor em seu rosto agora. Os lábios estavam inchados e o cabelo bagunçado em cachos sobre a testa. Ela parecia angelical, ainda que os olhos cintilassem de más intenções.
Respirando fundo o cheiro de chuva e roupa molhada, ela começou a abrir a camisa dele, lentamente, apreciando o fato de estar com alguém apenas por prazer. O corpo do homem era belo como esperava, e ela estava se sentindo bastante inspirada.
Serafim observava enquanto ela se movia em seu próprio tempo, apreciando o peso de seu corpo sobre as pernas, as luzes ainda apagadas e o único barulho ser o da chuva que começava lá fora.
- Se eu disser exatamente o que quero que faça comigo, você vai me obedecer?
Ele sabia o que queria fazer; mas satisfazê-la era sua prioridade.
- Às ordens, senhorita.
Bianca olhou para o caminho que os botões abertos revelaram e, ainda mais lentamente do que antes, colocou as mãos sobre a pele dele, afastando a camisa de seu peito enquanto falava.
- Eu quero que você me segure pelo pescoço, me ponha de joelhos e me bata com este cinto – sua mão chegou ao ponto de que falava, e, colocando os dedos por dentro da calça, agarrou-o pela fivela.
O efeito das palavras de Bianca sobre Serafim, disparadas enquanto mirava direto em seus olhos, não seria mais efetivo do que se ela tivesse usado a boca para outros fins. Ele parecia chocado e excitado na mesma medida. No entanto, estava receoso. Sua mão tinha o tamanho do rosto dela. Ele era um homem forte e estava acostumado a ser violento, mas nunca com mulheres e muito menos na cama. Mas se ela gostava da dor – ou gozava com a dor – ele iria tentar.
E com prazer.

Bianca ligou o abajur ao lado da cama. Tirou os sapatos e a calça jeans, vendo Serafim fazer o mesmo, deixando o cinto sobre o lençol. Antes que chegasse à blusa, ele a alcançou enfiando um dedo em sua gola e a puxou para perto, encostando suas testas. Encheu as mãos com seus seios e apertou – ainda gentilmente. Ela aprovou o gesto com o mais leve dos gemidos, que aumentou quando ele roçou os polegares nos bicos dos seios, em sincronia.
- Você quer que eu vá devagar ou rápido?
Ela pensou por um momento. Devagar era o ritmo da tortura e rápido poderia ser mais doloroso do que o pretendido. Decidiu que era situação ganha.
- Pode fazer como preferir – ela disse em seu ouvido, sentindo a resposta no suspiro de satisfação em seu cabelo.
Serafim estava com medo de machucá-la de verdade, mesmo que ela pedisse por isso, então decidiu ir devagar. Levou uma das mãos aos cabelos de Bianca e segurou com força, puxando-a para conseguir ver seu rosto e, a partir dali, medir suas reações. Ela parecia frágil e destemida. Ele percorreu seus lábios e queixo com o polegar, até chegar ao pescoço. Foi posicionando os dedos, um de cada vez, e teve que colocar a palma da mão na base e o dedo mindinho sobre a clavícula para conseguir caber. Então, soltou seus cabelos e fechou a outra mão sobre a nuca. Bianca fechou os olhos, mas a boca se abriu formando um pequeno "O".
De repente, ele a soltou e pegou na barra da blusa, fazendo com que ela abrisse os olhos, confusa. Percebeu então que continuava parcialmente vestida e riu. Com um movimento rápido ele a despiu, jogando a roupa do outro lado do quarto. Reparou na pele arrepiada e numa cicatriz perto das costelas. Pelo jeito aquela moça gostava mesmo de sofrer.
Em outro repente, ele segurou suas pernas e a puxou para o peito. Com uma exclamação de surpresa, ela se agarrou a seus ombros enquanto Serafim subia em sua cama. Ao deitá-la, ele mergulhou nos seios apertados dentro do sutiã enquanto as mãos apertavam, por sua vez, o resto do corpo, testando sua maciez e pensando se conseguiria não deixá-la roxa por toda parte. Entretanto, ele já estava ganhando as habituais marcas nas costas, enquanto Bianca explorava também.
Antes de sentir os lábios gentis de Serafim, Bianca tinha a pele arranhada pela barba áspera, o que era extremamente agradável. Agora ele estava descendo ao longo do seu corpo com a boca, enquanto as mãos subiam. Ela aproveitou para se livrar do sutiã, tirando-o pela cabeça. Observou enquanto ele a provava, sem pressa, descobrindo onde deveria beijar, onde poderia chupar e onde se aventurar a morder. Gemeu quando ele passou os dentes pela marca que a calça jeans deixara em seus quadris, e mordeu os lábios quando ele a lambeu de um lado a outro em seguida, logo abaixo do umbigo. As mãos e a boca se encontraram no mesmo ponto, quando ele segurou sua calcinha no lugar e desceu mais com o rosto, esfregando a barba lentamente por uma coxa e depois por outra.
Era uma tortura.
- Por favor, senhor Leal – ela gemeu, manhosa. Serafim olhou para cima e teve a bela visão de Bianca deitada, uma mão agarrando o lençol e a outra nos cabelos, a boca entreaberta, os seios nus à sua espera.
Rapidamente livrou-se do que ainda vestia diante do sorriso dela. Ele também era uma bela visão.
Ele voltou para onde estava, entre as pernas dela, e mostrou o cinto dobrado na mão direita.
- É isso que você quer?
Bianca fez que sim com a cabeça, erguendo-se sobre os cotovelos e ficando frente a frente com ele, de joelhos sobre a cama. Serafim passou a dobra do cinto por sua pele, começando pelo rosto delicado, deixando uma trilha de arrepios pelo pescoço, circulando o seio esquerdo, descendo pela barriga e finalmente chegando às coxas. Ela não tirava os olhos dos dele, tentando antecipar quando o golpe viria, mas agora a tira de couro estava na parte de trás de suas pernas, subindo inexoravelmente por sua bunda e prosseguindo pelas costas. A ansiedade era um doce que se dissolvia sofregamente sobre a língua, mas Hórus também gostava de brincar com a comida quando era a sua vez.
De repente, o cinto bateu contra sua pele e ela se sobressaltou, primeiro pelo susto e depois pela mordida da dor que ressoou em seus nervos.
Mas ela não gritou.
Serafim mandou que colocasse as mãos sobre o travesseiro, de costas para ele. Por mais que quisesse continuar acompanhando suas reações, a posição mais indicada para o que ela queria era aquela. Ele percebeu mais marcas no corpo pequeno e firme, mas resistiu ao impulso de percorrê-las com os dedos e continuou a explorá-la com o cinto, provocando novos arrepios. Estalou mais uma vez sobre sua pele e a penetrou, escorregando com facilidade porque ela estava muito excitada. Desta vez ela gemeu alto e se mexeu imediatamente, indo de encontro ao corpo dele. A mão de Serafim voltou ao seu pescoço e a manteve quieta, sentindo o gemido em sua garganta através dos dedos. Voltando a ir devagar, ele a explorou por dentro, empurrando mais, vendo até onde conseguiria ir. Variava o aperto em seu pescoço, percebendo como isso a afetava, como ela se comprimia e queria se mexer mais. Parecia que ela gostava de ir rápido, mas obedecia ao ritmo que deixara ele impor.
O cinto estalou mais uma vez.
Bianca sentiu tudo se estreitar: o aperto dele e o seu próprio, o que provocou um gemido de Serafim em resposta. Puta que pariu. Ele esqueceu completamente como havia sido sua última transa, e a penúltima, e a dos últimos dois anos. Aquilo era outra coisa.
Teve que se concentrar para não estrangulá-la e soltou o cinto, segurando seu quadril para impor um novo ritmo. Pro inferno com o devagar.
Ela gemeu de satisfação outra vez e rebolou lentamente uma vez antes de passar ao novo ritmo com força.
Serafim afrouxou o aperto no pescoço de Bianca, ou iria sufocá-la. Em compensação, envolveu com a mão enorme uma de suas coxas – que com toda a certeza ficaria de outra cor –, ao que foi respondido com outro gemido alto. Ele podia jurar que conseguia senti-la em cada centímetro. Ela acelerou até que ele teve que agarrá-la pelo pescoço de novo e trazê-la para junto do peito para impedir que acabasse com tudo cedo demais.
Afastou os cabelos dela e beijou seu pescoço, sentindo na própria carne enquanto ela diminuía gradualmente a velocidade. Com os braços para trás, ela o agarrou pelos cabelos. Sentia o beijo sobre as marcas que os dedos haviam deixado, assim como a barba: acariciando e esfolando. Estava se aproximando do final e precisava se concentrar. A habilidade de Hórus era usar sua ansiedade como estímulo em vez de permitir que a paralisasse. Para chegar ao fim de uma execução ou para alcançar o próprio orgasmo, ela aprendera a se automanipular quase perfeitamente.
Muito embora estivesse recebendo uma grande ajuda naquele momento.
Virou-se para trás, a fim de trazer a boca de Serafim à sua pela última vez. Então voltou a se prostrar sobre os travesseiros, gemendo de acordo com o ritmo que haviam alcançado: ele não tinha certeza, mas parecia tê-la ouvido implorar que não parasse de jeito nenhum. Serafim não pensava em parar nem se começasse a chover ali dentro.
Houve um momento de silêncio e então o grito; ele sentiu ela gozar forte, apertada, encharcada. Soltou um palavrão enquanto saía dela com dificuldade, espalhando seu próprio gozo sobre a pele magoada, branco sobre branco.
Caiu no colchão ao lado dela, fazendo a cama inteira tremer. Bianca sentiu isso ao longe e sorriu. Era a primeira vez em muito tempo que fazia sexo sem sangue.

Mas, por engraçado que fosse, ainda precisaria de um banho.