Crônicas de uma Exploradora do Invisível.

sábado, 20 de abril de 2013

Não


Ela chorava por antecipação,
Porque sabia o que estava por vir.
Que a escuridão do que estava por vir
Estava para sair de si.

Conhecia
Que haveria de dizer
Aquela palavra
E já
A sentia sobre a língua
Dura e quente
Feito um bolo de ferro
Que se haveria
De derramar definitiva e lentamente
Até bater no chão e empestear o quarto inteiro
E ainda: arder de volta nos olhos antes de impregnar nas paredes

Como fuligem.
Debruçada sobre o pano de prato que bordava chorava já,
Pois sabia que a hora ia vir até ela
Como estação de trem longínqua
Que estivesse em algum lugar do espaço,
O quarto,
Fatídico esperando
Que ela chegasse. Esperando pela sua boca.

Esperando pela sua coragem.
Pois já podia ver os olhos desviados do outro
E previa cada centímetro daquela pele escura
Se colorindo de frustração.
E já podia sentir as ondas
A partir do seu arriar de ombros
E dos cantos dos seus lábios
Insoluços, para baixo.

Chorava já e sim,
Pois conhecia a lei da lógica
E a reação
Para todo não
É o fim.

Traçava no pano alvo uma linha azul
Que desenhava uma flor sobrenatural e feia
E aquela uma palavra que tinha como certeza
Justificava todas suas razões para chorar.

domingo, 7 de abril de 2013

Breve história de uma paixão superada


Era domingo, de manhã. O dia de viver em sociedade. A cidadezinha estava quieta e esparsa, o sol apenas aquecia. Bom dia para andar de chinelos e vestido de florzinha. Bom dia para ter cabelo cacheado. A gente estava toda misturada: crianças, adultos de bicicleta, adultos que queriam crianças e garotas que nunca iam envelhecer. Posamos todos para a foto, com o vento agitando panfletos de evangelismo.
Foi um domingo longo, como sempre parecem os dias que dividimos com os outros. A mulher na mesa do bar em pleno domingo de manhã nos contou a história da vida de alguém que já estava morto. Alguém mais novo do que ela. Debaixo do sol de domingo, o dia mais bonito, ouvimos as lágrimas da mãe, uma mãe, uma mulher de muita pele e olhos caídos que andavam mais do que ela, mas menos do que seus pensamentos, que rodopiavam entre sonhos e lembranças. Entre o tom da razão e o da revolta, o revolto do coração que bebia cerveja. Uma mulher com nome de boneca, Emília nos contando como ela pensava, logo existia – e como ela amava o que já não existia.
Seguimos, as pseudo-irmãs procurando o rebanho adiantado pelas ruas quase vazias, parando para fotos em preto e branco debaixo do sol. Mas primeiro, um encontro. Mais um naquela selva desmatada de cidadezinha, um quase homem, alto segurando um pacote meio devorado de biscoitos. E ele nos abraçou como se fizesse todo o sentido, não falou uma palavra, me apertou, seu queixo em minha cabeça como Bogart e Bergman nas cores estúpidas de uma manhã de domingo.
E ainda fomos embora. Muitas partidas naquele dia, muito descascar de alhos. Fomos adotadas pro almoço e chegou mais um, só para ter que partir também. Este não era alto, nem abraçou ninguém. Só falava e falava e ouvia e quebrou meu chaveiro, mas teve conserto. E continuava a falar com aquela voz de cantor, voz que tinha a mesma cor morena e bonita de sua pele. Confessou vários medos rindo. E era o mesmo, só que diferente.
Um almoço em família.
Que depois acabou, e já era tarde. Tarde de domingo. Preguiçosa, matadora de tempos.
Depois, histórias engraçadas, embora a noite estivesse fria. Uma noite rara em que eu usava saltos. Tramava eu contra mim? Possivelmente.
Só que eu escrevo do futuro, então os últimos acontecimentos perderam parte de sua força. Apenas uma observação muito estranha de que ele prefere amar à distância.
O que quer que isso signifique.