Do nada, o garoto soube que estava, como que dizer,
perdido. Sentou de volta na sala de aula, com o rosto lavado de sorrisos e a
boca ainda gostosa de Veridiana. Tinha uns 15 minutos a esperar ainda na sala
fria aonde pouco a pouco chegava gente. Uns bons e longos minutos em que,
prazerosamente, o seu olhar vagava entre o papel branco do caderno aberto, o
chão cinzento limpo, o quadro de bordas azuis. Ficou piscando os olhos sem se
aperceber, e sentindo-se preso – ou antes, enredado – num estado de espírito
esticado, que não se decidia entre o cheio e o vazio. Estava exaurido.
Era
ali no “depois” que ele passava a saber, e a dar-se plena consciência de como
se sentia. Durante a estada de Veridiana, ele apenas sentia. E se levava pela
corrente das suas palavras úmidas de riso. Era sempre quente com Veridiana,
como se as horas dela fossem as horas do sol da justiça firmado no mais alto
dos céus.
Era na presença dela que ele aspirava o ar com mais afinco,
como se seu corpo botasse então por necessidade prioritária o Oxigênio. Era o
ser-com-ela que guiava o trilho de suas horas, as horas de espera e todas as
outras. Por aquelas tardes singulares, raiadas de verde esmeralda, vividas
sempre na lista dos lugares-comuns, o seu espírito se reunia ao corpo e
aumentava então a demanda por fôlego.
Põe-se agora o garoto sobre a mão e os cotovelos, no
momento em que o espírito começava a voltar a dormir, quase suspirando. Todo
sensacional cedia lugar ao banal e era chegado o seu momento de cinza nas
horas. Aquelas horas, tais quais as de Romeu, que são alongadas por não (mais)
terem o que as tornaria breves. Sim, sentado ali ele deixava que o patético lhe
tomasse, contínuo e certeiro como onda crescendo do mar à areia. E todo dia que
acordava sabendo que não a veria, era um dia arrastado e aparentemente
despropositado no fim das contas de seu Universo. Além disso, ele se enxerga
agora, tropeçado e prostrado num dia oco. Foi tirando conclusões.
Chegou ali pensando que aquela coexistência exuberante a
que chamavam “namoro” era algo perturbador quando pensado de uma certa
distância. Era como doses de maravilhamento entremeadas pela vida real. Como
uma comunhão metafísica exposta em filas de cinema e vivida sobre mantas de
crochê perfuradas pela grama. Do nada, todo aquele raciocínio lhe nasceu da
terra. Só a palma solitária e a voz do professor vieram lhe buscar de volta pro
mundo dos reais.
Mas a boca, esta continuava acordada até quando o resto do
corpo e o espírito adormeciam.