Claudio
amava Veridiana. Amava-a na ponta de cada dedo e no estreito vazio entre os
dentes de cima e os de baixo, no fundo da boca fechada. Ele a amava antes de
acordar e a amava depois, sem distinguir entre sonhos, lembranças e devaneios.
Amava-a em cada fímbria de seus músculos e em cada pêlo de sua pele, descoberta
ou agasalhada. Amava-a em volta do relógio e da sua nuca, amava sem volta, com
cada ruga se firmando em volta dos lábios, de tanto que pensava nela. Ele a
amava distraído e determinado, rumando forte até o centro da história que
escreviam em tardes folheadas a ouro no Parque das XX. Pressentia o perigo do
seu coração pesado que voava a muitos metros do chão, mal seguro por uma
cordinha enrolada em sua mão; mas prosseguia porque seu amor era nascido e
inevitável. Agora que ele conhecia o ar e a luz, não voltaria jamais ao útero
inexistente do amo. Seu amor era alto e ereto, era firme sob a tarde e suave em
meio às noites. Queimava ao longo de toda a pele da virgem Veridiana, cega aos
efeitos que gerava em sua calma perfeição.
Cláudio
a amava sem escolta, sozinho e bravamente, suprimindo o medo com as duas mãos,
guardando o grito na boca que só se abria para beijá-la. Como ele a amava,
jovem e ignorante do resto de suas vidas, entregue ao delirante espetáculo de
um passeio de mãos dadas pelas ruas. Ele só a amava, sem precisar fazer força.
Olhava para os seus olhos de lago e suspendia a respiração, pois amá-la era
sempre mais fácil do que respirar.
Até
o dia em que ela se virou sobre o banco de pedra e anunciou em poucos períodos
que estava de viagem para a própria vida: calçar sapatilhas e ser bailarina na
Rússia. O verde Cláudio, pesado sobre as pernas estendidas, sentiu o seu
próprio amor rodar em torno do eixo e, feito bola translúcida, tocar a base de
seu pescoço e ganhar os quilos de 3 milhões de grãos de desespero. A luz foi
cruel e permaneceu brilhante. O mundo não oscilou, a chuva não se derramou, a
água dos lagos de Veridiana não ferveu. Ele estava só, e pior: acompanhado de
todo aquele amor bastardo.
Cláudio
ainda a amava, e não conseguia nem por força se achar um desgraçado. Ele via
que a fonte daquele amor era a graça primeira e inabalável de Veridiana,
rodando no céu dos seus pensamentos desencontrados. Era o único elo entre todas
as letras guardadas na sua cabeça. E mesmo sofrendo feito um cão, nos dois anos
que passou sem vê-la, ele ainda sabia o que era que ardia em sua
consciência. Como a certeza da existência de um Deus onipotente, amar Veridiana
era o ato definitivo e imutável, posto em seu imo e externado à sua revelia.
Não importava que ela não o sentisse; o amor se fazia, comia, bebia, respirava
e filosofava, maior do que antes, melhor como sempre, e mais forte do que as
simples estruturas de um homem e de uma bailarina.
Foi
a formação deste pensamento que levou Cláudio à neve que margeava o Pacífico, o
Ártico, o Negro e o Cáspio.