Crônicas de uma Exploradora do Invisível.

sábado, 22 de junho de 2013

Claudio e Veridiana, parte III

            Claudio amava Veridiana. Amava-a na ponta de cada dedo e no estreito vazio entre os dentes de cima e os de baixo, no fundo da boca fechada. Ele a amava antes de acordar e a amava depois, sem distinguir entre sonhos, lembranças e devaneios. Amava-a em cada fímbria de seus músculos e em cada pêlo de sua pele, descoberta ou agasalhada. Amava-a em volta do relógio e da sua nuca, amava sem volta, com cada ruga se firmando em volta dos lábios, de tanto que pensava nela. Ele a amava distraído e determinado, rumando forte até o centro da história que escreviam em tardes folheadas a ouro no Parque das XX. Pressentia o perigo do seu coração pesado que voava a muitos metros do chão, mal seguro por uma cordinha enrolada em sua mão; mas prosseguia porque seu amor era nascido e inevitável. Agora que ele conhecia o ar e a luz, não voltaria jamais ao útero inexistente do amo. Seu amor era alto e ereto, era firme sob a tarde e suave em meio às noites. Queimava ao longo de toda a pele da virgem Veridiana, cega aos efeitos que gerava em sua calma perfeição.
            Cláudio a amava sem escolta, sozinho e bravamente, suprimindo o medo com as duas mãos, guardando o grito na boca que só se abria para beijá-la. Como ele a amava, jovem e ignorante do resto de suas vidas, entregue ao delirante espetáculo de um passeio de mãos dadas pelas ruas. Ele só a amava, sem precisar fazer força. Olhava para os seus olhos de lago e suspendia a respiração, pois amá-la era sempre mais fácil do que respirar.
            Até o dia em que ela se virou sobre o banco de pedra e anunciou em poucos períodos que estava de viagem para a própria vida: calçar sapatilhas e ser bailarina na Rússia. O verde Cláudio, pesado sobre as pernas estendidas, sentiu o seu próprio amor rodar em torno do eixo e, feito bola translúcida, tocar a base de seu pescoço e ganhar os quilos de 3 milhões de grãos de desespero. A luz foi cruel e permaneceu brilhante. O mundo não oscilou, a chuva não se derramou, a água dos lagos de Veridiana não ferveu. Ele estava só, e pior: acompanhado de todo aquele amor bastardo.
            Cláudio ainda a amava, e não conseguia nem por força se achar um desgraçado. Ele via que a fonte daquele amor era a graça primeira e inabalável de Veridiana, rodando no céu dos seus pensamentos desencontrados. Era o único elo entre todas as letras guardadas na sua cabeça. E mesmo sofrendo feito um cão, nos dois anos que passou sem vê-la, ele ainda sabia o que era que ardia em sua consciência. Como a certeza da existência de um Deus onipotente, amar Veridiana era o ato definitivo e imutável, posto em seu imo e externado à sua revelia. Não importava que ela não o sentisse; o amor se fazia, comia, bebia, respirava e filosofava, maior do que antes, melhor como sempre, e mais forte do que as simples estruturas de um homem e de uma bailarina.
            Foi a formação deste pensamento que levou Cláudio à neve que margeava o Pacífico, o Ártico, o Negro e o Cáspio.