Crônicas de uma Exploradora do Invisível.

sábado, 26 de novembro de 2011

Premeditado

Toque-me com a ponta dos seus dedos.
É só isso que peço de você.
E como um pedido sempre leva a outros mais, para o caso daquele primeiro frustrar ou ceder,

Olhe-me com todos os seus olhos,
Deixe que eu cresça nas suas íris,
Seja ocupante da sua mente.
E sinta isto mesmo que manifesto te pedindo tanto
E tão muito.

Deixa eu ver um pouco de você, assim mesmo, pálido de escuridão.
Deixa eu cuidar de você, corrigir sua postura, ser boa contigo.
Deixa eu te gostar sendo chata.
Te encostar e ser firme.
Deixa eu te fazer um filme,
Ser dona do seu sorriso reservado.
Aceita me estender seus braços pra eu poder desmoronar um pouco.
Seja corajoso e abra essa brecha.
Eu sei que caibo.
Se não, minha vontade me esquenta, me derrete e me ajuda a escorregar.

Deixa o beijo ser seu.
Deixa essa tensão trimestral aliviar.
Permite a você me olhar
E olhar e olhar e mais!
Adiciona as pontas de um único gesto na direção do que você quer.
Queira.
No seu ouvido eu murmuro.
Me queira.
Sem falar em futuros, em anos que vêm, em famílias ou times de futebol.
Sem nada mais do que a sua permissão.

E toque-me
Com toda a extensão
 dos seus lábios.

Metà

Meu coração triste,
Cansado de falar para uma cabeça sem ouvidos.
Pseudo-coração que intui bater em silêncio, timidamente
respirando, hesitando em existir – embora seja!

Meu coração distante
Surdo e cego ao seu peito pertencente,
Onde é seu trono, ainda que vazio.

Coração salgado, curtido, debaixo de todo sol
De pernas distantes, carimbando seus passos e derramando seu sorriso em terra imaginária Como se aqui
não tivesse ficado a terra de fato
Parada, salgada e curtida
Saudosa dos lábios do seu Sol.

Seca terra, a esforço dormitante.

Meu coração beijando a madeira: pare,
beija não.
Sabe que aqui ficou, além da madeira e do sepultado,
Um vivo, esperado coração.


"Alguma palavra houve, pior que a morte de Teobaldo, que liquidou comigo. Quisera esquecê-la, mas ai, ela aflige minha memória como as culpas malditas afligem a mente dos pecadores. Teobaldo está morto e Romeu... Exilado? Este exilado, esta uma palavra assassinou dez mil Teobaldos. Por que, quando ela disse 'Teobaldo está morto', não se seguiu a isto 'Teu pai está morto' ou 'Tua mãe está morta' ou 'Estão ambos teus pais mortos'? Isso teria motivado em mim as lamentações de costume. Mas, em seguida à morte de Teobaldo, o que vinha era 'Romeu está exilado', e pronunciar esta palavra é pai, mãe, Teobaldo e mais Romeu e Julieta - todos assassinados, todos mortos. Romeu foi exilado. Nisto não há fim, limites, medida nem fronteira."
Terceiro Ato, Cena II.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Tablóide


            Passei por uma flor vermelha no chão e noite passada desabou tempestade. A filha da primavera não resistiu. Caiu e sangrou. A manhã veio, mas foi manhã tarde demais. A pequena jazia sobre o chão, escuro asfalto molhado, colorindo pequeno perímetro de encarnado. Mas engraçado foi o que fizeram ao redor. Como em acidentes traçam o contorno do corpo no chão, assim fizeram em volta da pequena flora. Um círculo, menor que de bola de gude, grosso, também vermelho. Quase pensei que fosse o sangue da flor, mas passei bem perto e vi que não. Haviam se preocupado em traçar a área do crime, ainda que a tentativa de investigação viesse cheia de furos. Primeiro que não removeram o corpinho para autópsia – embora a causa mortis fosse evidente, e então, passível de investigação: que a morte da flor foi causada pela tempestade que a própria natureza, que favorecera seu nascimento, outorgou. O Senhor dá e o Senhor tira. E depois deixaram tudo lá, à espera: de testemunhas, de mim e meu relato fútil e esquecível, do Sol. Desconfio que queriam mais que o círculo no chão; queriam um círculo vicioso, uma prova do amor do pai, o Provedor de Clorofila. Quando ele a notar, caída e avermelhada, vai se recolher novamente (e nós já sentimos tanto sua falta) e a mater chuva voltará, desta vez velando a filhinha transformada em manchete sensacionalista de blog às sextas-feiras, e lhe tocará com a ponta dos pingos e lhe molhará as pétalas secas de beijos muito dignos. E a envolverá docemente, como se substituísse o sumo vermelho vertido e a transportará para além do círculo desenhado e no ciclo que mistura água, carbono e nitrogênio será novamente integrada em única coisa que sempre foi, até mesmo agora, morta: ciclo da vida.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

2 filmes de Kubrick

            Numa certa tristeza, assisto a aula de história. Me perco no tempo, literalmente, e exerço atividade perigosa de “estar aqui sem estar”, escutar sem ouvir, encher o subconsciente e navegar em lembranças duvidosas, pálidas de luz, com jeito de sonho. Ouço a aula e me divido, invento minha história, vou pensando por mim. Vou, sem sair do lugar.
            3 coisas me distraem (e afligem). O amor, a aparência e a matança. Tudo junto debaixo da minha distração. Siga: tudo rodando num compasso alegre, mas em ciranda de fado, rodopiando melancolias. Há uma foto de guerra, de trincheiras e espólio, de agonia e somos todos incitados a lutar, pois só se lutarmos alguma coisa vai mudar.
Abraça o risco e tomba. Luta a tarde inteira enquanto em algum lugar desse mundo deve haver paz. Numa cozinha silenciosa no meio de um pasto rodeado por uma estrada de mão única, sinuosa durante vários quilômetros. Tanta paz distante. Jogue-se no barulho, nos metais sujos, na terra que se gruda ao seu sangue recém afluído.
Cortes e rasgos
nos uniformes.
Existe poesia nisso? Existe um sonho encarnado, coletivo, batendo debaixo dessas mãos que esganam. Licença bélica. Bestial, mas que almeja o celeste, e que o celeste seja na terra. Pode?
Memórias pálidas, com jeito de utopia. E eu penso que lutar tanto
e tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, para além das horas e dos dias e dos limites (os meus e os da terra) e, de repente, sobreviver. E então correr e correr muito, para onde se quer, para aquele que, sobre a terra, se deseja tanto, para o depois, para o sonho imediato. E neste chegar. E neste esfacelar-se de correr, como deve ser bom morrer nos braços de quem se ama.
            E meus pensamentos, que vêm em narrativa, são traiçoeiros. O grande inimigo externo, como ensinaram há tempos, não é Nós x Eles. Sou Eu. Grande algoz e sabotador maior. Eu que penso e disperso, desespero sem razão e com todos os motivos. Quando escrever, vou esperar pelo perdão, meu e de Deus. Forjo linhas e desculpas enquanto penso tudo o que não devo. Não é? E a falta de esperança – a boa e velha conhecida desse ano –, tento ignorar imaginando se pode ser recíproco. Amada inimiga ambígua, atingindo a outros também. Pego palavras desencontradas, tentando voltar. Mas, tarde demais. O diabo já me ouviu.
            Devagar, volto a entrar em foco. O medo, as distrações e as 3 vertentes, tudo tem que voltar ao segundo plano. Por dentro, somos todos carrossel que gira, botando algumas coisas em voga e outras na penumbra. Mas eu sei que tem algo errado. Meus olhos percebem que, em todo esse devaneio, fixaram no quadro uma palavra: matança.