Crônicas de uma Exploradora do Invisível.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Glicerina (Claudio e Veridiana, parte II, narração em 1ª pessoa)


            Chegamos na casa dela, e enquanto acendia a luz e batia a porta, Ana despejou um pesado suspiro sobre o assoalho marrom. Disse que ia tomar banho. Eu bebi qualquer coisa da geladeira, tirei a calça e os sapatos e deitei na cama sob a janela.
            Alguns minutos depois ela veio, e eu fingindo dormir, senti o cheiro feliz da mistura do seu xampu com o sabonete, algo de frutas que lembrava o cor-de-rosa. A mesma Ana desligou as luzes e subiu, mãos e joelhos, para se largar por cima do cobertor. Eu, ainda de olhos fechados, cerquei ela com meu braço e posicionei meu nariz entre seus cabelos úmidos e a pele, fresca mas pulsante. E inalei bem fundo um jato de flores e uma lembrança de água quente. Corri a mão por suas costas, as curvas e dobras, depressão e vale debaixo dos meus dedos, e desembaracei uma mecha caída do seu cabelo no escuro, gelado, imprudente. Arranjei melhor seu corpo molengo de sono e pesado de entrega ao estado semi-consciente sobre o meu próprio, não muito distante disso, mas ainda um pouco responsável, de modo à sua pele ficar quase livre do molhado.
            Pisquei mais umas duas vezes e pensei, mal e mal, sobre o por que do meu sorriso desapercebido, aparentemente imotivado, ainda mais quando uma de suas pernas adormecidas se jogou sobre as minhas (decididamente imprudente). O neon clichê da placa do outro lado da rua jogava raios vermelhos sobre o pequeno quarto-cozinha. E eu fechei os olhos seguindo o caminho de Ana, ignorando as possíveis perguntas que, como todas que eram importantes, eu ia morrer sem responder.

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